Luciana Moherdaui

Primeiro Digital – Qual o grande tema para discussão sobre o jornalismo digital no Brasil na atualidade? Por quê?

“É urgente discutir a desconstrução da hierarquia, a implosão da página estática, na interface tradicional do jornalismo praticado na internet (web e apps), empurrada pela dinâmica das redes sociais. A lógica de operação delas relegou a interface jornalística a um desenho que não mais corresponde a um paginador diagramado em colunas. A interface atual dos chamados sites e portais é o que o pesquisador russo Lev Manovich chamou de PowerPoint com mídia distribuída. Um exemplo claro disso é a festejada reportagem Snow Fall, desenvolvido pelo jornal americano The New York Times.

Vencedor do Pulitzer em 2013, o mais importante prêmio de jornalismo do mundo, o projeto multimídia assinado por John Branch, conta a história da avalanche no vale Tunnel Creek, em Washington (Estados Unidos), que matou três dos maiores esquiadores do país. A peça mistura texto, vídeo e fotos, e virou sinônimo de estética de jornalismo na internet para matérias mais elaboradas. Embora seja incrementada com novidades tecnológicas, Snow Fallsimula o papel.

grandes_temas_criação_sobre-free_images Ocorre, porém, que nas redes sociais não é mais a estrutura que determina a importância da notícia. Não é mais a manchete o chamariz. É o burburinho. O conceito de edição está sendo desconstruído. Leitores não seguem mais editorias, buscam notícias por hashtags ou em perfis de jornalistas, cidadãos, instituições ou empresas de comunicação, entre outros.

Essa dinâmica também coloca em questão os formatos site e portal. Não é novidade que perdem audiência sistematicamente para o Twitter e o Facebook, por exemplo. Tanto é que o NY Times assumiu a perda de poder da home page.

Mesmo após ter vazado na rede o Innovation Report, um diagnóstico preciso a respeito dos jornais em relação a redes sociais, no início deste ano o jornal americano anunciou que irá investir na home page. Afirmou que ela tem um “papel proeminente”.

Pode ser uma reação a dados como os do Reuters Institute, cuja pesquisa “Journalism, media and technology predictions 2016” coloca 2015 como o ano dos aplicativos distribuidores de informação Instant Articles (Facebook), Apple News e Twitter Moments. O Reuters Institute não faz menção alguma a avanço de sites ou portais.

Na realidade, como afirmou o jornalista Ricardo Setti em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em maio do ano passado, “ninguém encontrou ainda uma forma completamente eficaz de sair das mídias tradicionais para as novas mídias sem perder dinheiro, sem perder alguma coisa”.

Porém, trata-se de um processo irreversível. Alguém imagina que Facebook, Twitter, Snapchat e Periscope, entre outros, aplicarão em suas interfaces o template da mídia clássica? Talvez seja coerente refletir sobre o que afirmou o jornalista americano Stephen Witt em “Como a música ficou grátis”(Intrínseca, 2015): que o jornalismo talvez seja a única área que lidou com a transição digital de maneira pior do que a música.

Ao raciocínio de Witt, é correto acrescentar que a tevê também resistiu muito à rede mundial de computadores.Começou a se mexer, não faz muito tempo, por causa do avanço do streaming. Logo, já passa da hora de enfrentar essa realidade.”

Luciana Moherdaui é doutora pela PUC/SP em processos de criação nas mídias, autora do Guia de estilo web – produção e edição de notícias on-line (Senac, 2000), primeiro livro do gênero no país. Foi bolsista do UOL Pesquisa em 2008. Vencedora de dois Prêmios de Mídia do Estadão, participou da criação do iG e do Último Segundo. Atualmente, Luciana prepara o lançado do livro Jornalismo Sem Manchete – A implosão da página estática.

Veja mais opiniões em Grandes Temas para Discussão sobre Jornalismo Digital – Segunda Edição