Pouco antes da pandemia do coronavírus ser declarada, comprei uma vitrola. Já tinha desencanado dos meus LPs. Não eram muitos, mas alguns eu vendi e outros eu doei. Mas a compra da vitrola não foi por nostalgia nem para (re)descobrir minha modesta coleção. Foi uma maneira de me reconectar com a música. Ou melhor, tirar da música a função principal que ganhou de mim nos últimos anos de trabalho em casa: ser minha companheira de trabalho.
E que companheira!
Para os dias mais difíceis, quando a produtividade dá aquela travada, a minha playlist no Spotify da Jornada do herói para um dia produtivo garante 100% de eficiência. Os textos fluem com uma facilidade… Será TOC? Será mandinga? Não sei. Só sei que funciona.
Mas isso colocou a música numa posição de coach da minha rotina de trabalho. E isso é pouco para quem teve e tem a música como parte importante da vida desde muito cedo, na adolescência e na vida adulta.
Sou grato pela invenção do Spotify, mas é preciso pegar a música na mão. Poderia fazer isso voltando a ouvir meus CDs. Mas optei pela vitrola, pelos discos de vinil para tornar minha reconexão mais simbólica. Afinal, tudo começou com os LPs, muitos comprados com esforço, juntando economias, trocos e às vezes até o dinheiro todo do lanche que deixava de comprar no recreio do Instituto Estadual de Educação lá nos anos 80. A Brunetti e a Discolândia ficaram com alguns salgados que deixei de comer…
E para não fazer da compra da vitrola só motivo para tirar poeira dos LPs que me acompanham desde os meus 15 anos (estou com 48), fui atrás de três discos que nunca tive: “Alucinação” (Belchior), “Clube da Esquina” (Milton Nascimento e Lô Borges) e “Acabou Chorare” (Novos Baianos). Três clássicos que, repito, nunca tive, mas que de alguma forma já estavam comigo como “pílulas”.
Tocava Belchior nas festinhas de violão na praia. Primeiro, “Apenas um rapaz…”, e depois, “Velha Roupa Colorida”.
“Paisagem na janela” e depois boa parte do repertório do Lô Borges foram gatilhos para me tornar um “sócio-júnior” do Clube da Esquina.
E Moraes Moreira tocando no rádio AM lá de casa sempre foi uma memória musical muito presente e funcionou como siri no balaio: puxei o Moraes, veio o Pepeu, a Baby, até chegar ao Novos Baianos.
Se gosto tanto, por que não comprei esses discos antes?
Maturidade responderia a pergunta. Mas musicalmente falando, com o tempo a gente passa a se interessar por outras sonoridades, outras temáticas – tudo ao seu tempo, como bem diz o ditado. Além disso, a busca passa a ser por outras sensações, outros sentimentos naquilo que se ouve. Menos urgência, mais paz, às vezes contemplação, mas sem perder o senso crítico.
A música em “Alucinação”, “Clube da Esquina” e “Acabou Chorare” me transmite tudo isso e os discos chegaram em ótima hora, a hora da reconexão. Estou segurando agora na minha mão e posso garantir que sim.
Este texto foi produzido originalmente para uma série do portal Rifferama, mas como fugiu do formato que meu amigo Daniel Silva havia pensado, ficou de lado também porque não quis mexer na estrutura dele. Lembrei do texto hoje, 20 de abril, Dia do Disco de Vinil. Mentira! Quem me lembrou foi a Alexa, a assistente virtual da Amazon que trabalha aqui comigo, quando dei bom dia pra ela…
E depois dos discos que cito no texto, acertei outras contas com LPs do Gil, do Gonzaguinha, do Erasmo, dos Beach Boys e, ainda nessa semana, do Sérgio Sampaio e do Lincoln Olivetti e Robson Jorge.
Sobre o Dia do Disco de Vinil, recomendo duas reportagens publicadas hoje (20) pelo site Tecnoblog:
Discos de vinil: uma paixão antiga agora por LPs novos
Como clubes de vinil aproveitam algoritmos para fidelizarassinantes
Deixe nos comentários: você ainda vou LPs? Quais os seus favoritas e qual comprou recentemente?